Artigo: A liberdade humana

 


O início do século XIX é marcado pela filosofia crítica de Immanuel Kant e a revolução que influenciou todo o pensamento, para ele a razão humana não é apenas um instrumento que conhece, mas é onde se assenta a autonomia dos indivíduos, baseada em três níveis: 

a) deus – que é a existência em si mesmo; 
b) mundo – que se expressa na totalidade; e
c) homem – que é a essência moral fundada na liberdade. 

A Revolução Francesa também influenciou a história porque marcou e deu origem a uma nova ordem político-social, principalmente diante dos valores e da concepção do homem.

Qual é a condição da liberdade humana? Ela está atrelada a capacidade de autodeterminação, ou realmente a liberdade humana está condicionada à consciência no seu “si mesmo”, já que o limiar da fronteira de si mesmo está na relação entre o indivíduo e sociedade, particular e universal, unidade e totalidade para sua objetivação.

Napoleão denominou a ordem universal “fora de si” como política, com o expansionismo napoleônico de buscar uma unificação da Europa, gerou a construção de um “Estado do Espírito”, almejando definir a essência de si mesmo como a questão da identidade, e até mesmo da diferença entre unificação e unidade. A partir dessas influências no pensamento, surge a necessidade de se aprofundar o problema da liberdade e seus questionamentos diante do ser.

O pensamento de F. W. Schelling foi fundamental para investigar filosoficamente a partir do fato e da evidência da liberdade do homem, porque o problema da liberdade é a escolha, pois ser livre é poder escolher com a própria consciência. Há uma consciência que transcende cada consciência individual? O coração da liberdade é escrava da predeterminação entre isso e aquilo, somos livres? Ou somos condicionados à liberdade?

O problema da liberdade assenta-se, na compreensão de ser que permite qualquer determinação e indeterminação, toda consequência das escolhas do homem é uma abertura do ser, desta forma, podemos verificar que na visão ontológica, não é a liberdade que pertence ao homem, mas o homem que pertence à liberdade. O homem é livre na medida em que pertence à liberdade, a questão da liberdade humana tem início com uma compreensão de princípio do ser do homem, como o modo de ser do homem?

Como se dá a compreensão do ser em geral? A liberdade do homem e a questão da possibilidade do mal se conectam no problema da existência como dissociação e individuação do bem supremo, num confronto entre o conceito de liberdade e o sistema de liberdade, que coloca em xeque a incompatibilidade panteísmo e fatalismo. O grande desafio da filosofia é a pretensão de abraçar a totalidade do ser, ser que é pertencer a um sistema, que de certa maneira se expressa na totalidade do mundo em cada indivíduo.

Tal questionamento que está no seio da metafísica da subjetividade, sobre o pertencimento do homem a deus e à totalidade como liberdade, a linguagem é uma capacidade ou um instrumento racional que se pode alcançar a liberdade humana, ou sua essência. A criação do mundo se fez por vontade e pela palavra, a existência não nega o fundamento, mas o realiza, e a essência da liberdade é a vontade de existência? Almejando no sistema da liberdade abarcar o conceito de unidade?

A existência é um sim que revela um não, partindo de uma questão ontológica do não, daí nos perguntamos se o homem pode determinar a si mesmo? Qual é a essência do homem? Podemos dizer que o homem é o que é, no entanto, não descobriu sua essência? E o mal é afastar-se da vontade criadora. Para Schelling1 ,o conceito real da liberdade humana como a faculdade do bem e do mal, e esse “e” tem uma função hermenêutica, ao qual ser homem é ter de existir, a busca do ser para a totalidade é intrínseco ou um atributo conquistado?

A questão da liberdade do homem como a via de transcendência, no sem fim do limite de seu ser, e a indagação que fazemos é qual é o sentido do ser? A essência da natureza espiritual é a razão? O pensamento? Ou o conhecimento? Ou nos resta negar a liberdade? A essência da liberdade humana compreende a totalidade do ser ou uma parte apenas? 

A liberdade individual em conexão com a totalidade do mundo, a liberdade é algo divino? O sistema de liberdade pode ser apreendido pelo entendimento humano? É uma essência primordial? A razão é a essência da liberdade humana? Qual é o nexo entre o conceito de liberdade e o todo da concepção de mundo? 

A liberdade do homem é derivada de Deus, por isso, Schelling é acusado de panteísta, tal expressão nega a liberdade e não a individualidade, a essência individual é a própria substância. Quando realizamos a autorreflexão filosófica podemos alcançar a liberdade? Se o homem for um pensamento divino, não há liberdade, mas deus só pode se revelar naquilo que lhe é semelhante, ou seja, numa essência livre capaz de agir a partir de si mesma. 

Não somos livres porque conhecemos apenas a representação das coisas, não vemos a coisa-em-si, porque Deus vê as coisas em si, a liberdade humana é limitada, então só Deus é livre por ser eterno. A liberdade está na consciência humana a priori? Ou se manifesta na história a partir de suas escolhas? O mal faz parte da constituição do ser, enquanto coisa limitada? Ou no indivíduo limitado? O mal é uma convenção? O mal é uma consequência da liberdade?

Por meio da liberdade o homem pode rasgar o elo eterno entre as forças? Como ocorre entusiasmo para o bem, ocorre um encantamento pelo mal, sem discórdia o amor não saberia realizar-se, porque o homem foi criado a partir do nada, como o mal pode brotar da criação, se deus é o supremo bem? O homem está colocado num cume, possuindo em si a fonte autônoma capaz de movimentar tanto o bem como o mal, tudo o que o homem escolhe torna-se um ato seu, poderia se dizer então que o homem é formado por dois princípios? O bem e o mal?

O mal remete ao caos, onde não se achava submetido à luz, somente no homem há uma unidade separável? Luz e trevas? Como explicar o mal? O fundamento é somente uma vontade de revelação, onde o prazer ou o desejo são uma espécie de essência da liberdade? Se a criação se dá no movimento da história, então o princípio obscuro teve de servir de fundamento para que dele surgisse à luz?

A vontade própria é uma tendência natural do homem para o mal? A essência da liberdade humana é uma vontade como fogo que devora cada vontade particular? A morte seria uma necessidade da vontade humana de se apagar como uma chama para se purificar? Ou realmente, o mal permanece uma escolha do homem.

A liberdade seria então uma capacidade inteiramente indeterminada de querer, sem nenhuma razão determinante, ou uma essência inteligível do homem, que se encontra fora de qualquer nexo causal como fora e acima do tempo. A ação livre decorre imediatamente do inteligível no homem, livre é apenas aquele que age de acordo com a lei de sua própria essência, não sendo determinado por nenhum outro nem em si e nem fora de si. 

O homem é um ser indeciso, o ato pelo qual sua vida se determina no tempo não pertence ao tempo, mas à eternidade, a vida do homem toca o começo da criação, o homem é livre e um eterno começo, porém, movido por vontades. Se as ações humanas estiverem sempre determinadas podemos dizer que há liberdade? Existiria tal essência do homem? Que constitui um ato de liberdade? O que define e manifesta o homem? O homem pode dizer que é o ele entre as forças – do eterno e da realidade, quando o espírito humano se afasta do bem, ele perde a liberdade originária? Se a constituição humana se dá no espírito bom e mau, pode-se dizer então que o bem é o ser, e o mal é o não-ser? A liberdade humana está fundamentada então na consciência e no conhecimento?

Se a liberdade passa pelo ato da escolha, então o que gera a liberdade humana é a necessidade ou à vontade, que perpassa pela consciência do homem enquanto ser, acontecendo a partir de uma personalidade bem constituída ou predestinada pela vontade, ou até mesmo um misto de vontade e consciência. A liberdade acontece na relação entre o elo divino e a natureza, qual sejam razão e vontade, assim a criação não é um dado, mas um ato, desta forma, para deus, há liberdade sem necessidade, porque ele só pode querer ser uno.

Sem uma condição, não há existência, e o véu da aflição é a angústia, com isso o mal pode surgir da vontade, no entanto, se o mal se desprende do bem ou da vontade universal, isso significa que ele existe em potência, pois onde não há luta, não há vida. O bem apenas o si mesmo superado, ou seja, que passou da atividade para a potencialidade, a vontade transforma o mal de atividade para potencialidade, ainda assim, parece que a liberdade é uma convenção de interesses, ou uma construção de vontades permeada de necessidade.


Autoria:





SCHELLING, F. W. A Essência da Liberdade Humana. Petrópolis, RJ: Vozes, 1990.


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