Nas pegadas do apego
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Há alguns dias atrás, recebi uma notícia esperada há cinco anos. Trabalho em uma escola um pouco distante do apartamento onde moro, e para chegar até lá eu precisava pegar um ônibus. A prefeitura local paga a indenização do transporte em dinheiro, portanto, aquele que não precisa gastar com ônibus naturalmente tem um bônus a mais no pagamento.
Então a voz tranquila e grave do outro lado da linha comunicou-me que minha transferência para uma escola mais próxima havia saído. Não é exatamente naquela que eu queria, a que fica do outro lado da rua (literalmente) mas um local onde uma caminhada de 15 minutos basta para chegar. Hesitei por um momento, mas aceitei, lógico. Finalmente eu consegui... e minha primeira reação foi chorar. Compulsivamente e doloridamente.
Nem mesmo eu entendi de imediato minha reação. Talvez por estar desavisada, achando que não iria dar certo de novo, talvez por me lembrar que as férias estão acabando...desculpas vãs. Chorei por apego.
Desde que passei no concurso público trabalho no mesmo lugar como professora, uma profissão nova que aprendi aos 32 anos de idade (minhas profissões estão aqui). A equipe pedagógica do local me ajudou orientando em como proceder na prática, em questões pedagógicas e burocráticas, porque há uma distância grande entre a teoria e o dia a dia. O início foi muito, muito difícil, e só não desisti porque essa não é uma tendência minha, pois quando me comprometo com algo, é pra valer.
Consideremos também que a escola é uma espécie de referência em ensino público, o que a torna mais exigente que as demais...costuma-se dizer que, quem aprende ali, dá aula em qualquer outro lugar, mas assumir grandes responsabilidades também nunca foi um problema impossível pra mim. E principalmente os laços que fui criando ao longo do tempo com as colegas de trabalho, algumas elevadas à categoria de amigas. Só não tenho confidentes...essas me fazem falta.
Pois bem, concluí que o choro foi proveniente do medo. Quando entramos em um novo ambiente precisamos aprender e nos adaptar a novas regras e pessoas. Precisamos de tempo e dedicação para mostrar nossos valores e do quanto somos capazes, de tempo para conhecer novas pessoas e compreendermos até que ponto podemos nos mostrar. É preciso delicadeza e jogo de cintura para que a primeira impressão seja a melhor possível, porque em geral os círculos são fechados e há uma resistência natural em aceitar o novo, também por medo, porque as pessoas de alguma forma se sentem ameaçadas...sinceramente, não sei por que, mas pelo que tenho observado é assim. Há o medo de sermos julgados.
Ser professor é uma profissão de desapego. A cada ano uma nova turma, com novas características, novos colegas de trabalho, nova equipe pedagógica...nada é igual o tempo todo. O humano tem essa tendência ao apego...nos prendemos a pessoas, objetos, músicas, roupas que já não podem ser usadas, à casa onde moramos, a comportamentos que já não nos agradam mas recusamos em mudar, a pessoas que não nos completam mais...
O apego nos traz a tendência natural a ficar no que conhecemos, porque o conhecido dá essa sensação de conforto. Não precisamos enfrentar o medo...é só seguir as pegadas conhecidas dos caminhos que já trilhamos. Parece perfeito, se o avesso do apego não fosse a sensação de fracasso. Quando evitamos enfrentar o novo repetidamente, ficamos com o sentimento de que poderia ter sido diferente, e cada vez que que algo der errado na escolhida situação confortável, virá a ideia do "eu poderia estar em outro lugar mas estou aqui".
Pessoalmente, posso dizer que na grande maioria das vezes, quando decidi enfrentar o novo minha vida acabou melhorando, principalmente no campo profissional, por mais doloroso que possa ser o começo. E saber disso me deu forças para secar as lágrimas rapidamente e curtir a felicidade de ter conseguido. Essa é uma questão que sempre coloquei nas mãos de Deus: a transferência sairia no momento em que fosse o melhor para mim. Se esse é o momento, vou abraçá-lo, mesmo com um frio da barriga que lembra a época do colegial ou quando conhecemos a família do namorado.
O desapego é como um caminho de areia limpa onde não enxergamos nenhuma pegada. A trilha será feita a partir das suas marcas e descobertas. É uma sensação de pânico e ao mesmo tempo, libertação. Sempre é tempo de mudar a rota se acharmos que o caminho não é o que desejamos. Treinando o desapego teremos a chance de perceber quais eram nossas verdadeiras relações, quando há amor, amizade ou dependência. Amor e amizade verdadeiros ficam...a dependência são como pegadas que ficaram para trás. Em alguns momentos é preciso segurar as mãos do destino e deixar que ele nos guie, com serenidade e passos leves, porém firmes.
Em terras que não foram desbravadas desconhecemos quais são os perigos...mas após o final da trilha em geral estão as mais lindas paisagens.
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo e esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia; e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
(Autor: Fernando Teixeira de Andrade - 1946-2008 - foi um professor de Literatura)*
*De acordo com o site Recanto das letras, essa citação é erroneamente creditada a Fernando Pessoa. Leia mais aqui.
Como leitura complementar, sugiro um texto maravilhoso que li no blog da Elaine Gasparetto, sobre como . Para ler, clique aqui.
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Na expressão do pai, as palavras não ditas. Orgulho de
observar, no pequeno, os reflexos de suas particularidades em amada miniatura.
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