Artigo: Um diálogo ético entre as religiões e os avanços tecnológicos
Vivemos uma mudança de época, caracterizada pela perda da sensibilidade tendo como consequência a anestesia generalizada sem dizer na apatia e no tédio como sinais evidentes de uma sociedade líquida, desta forma, estamos diante de uma civilização com uma grande cegueira moral. Nesta perspectiva, de alguma maneira, as religiões também querem lançar novas luzes e reflexões sobre o acelerado ritmo dos avanços tecnológicos, sendo assim destacamos a relação da inteligência artificial e o desenvolvimento integral do ser humano, onde a dimensão ética jamais deve ser ignorada tanto pelas corporações que desenvolvem as novas técnicas quanto às autoridades constituídas e toda a humanidade.
As religiões desenvolveram ao longo dos séculos inúmeras reflexões sobre a capacidade humana, principalmente, a criatividade e a busca do homem pela verdade, fazendo necessário um diálogo entre a religião e a inteligência artificial, porque estamos diante de um novo ciclo na história da humanidade, ou seja, um verdadeiro divisor de águas que exige delimitações éticas para que todo avanço tecnológico esteja a serviço da humanidade e do bem comum. Há uma preocupação ética porque tanto a globalização quanto o progresso podem caminhar para um rumo que agrave ainda mais o vazio existencial, sem dizer que se a mão invisível do mercado continuar ditando para aonde a humanidade irá, só teremos um caminho que é a deterioração da ética e a exclusão de milhões de pessoas que são marginalizadas pelo atual sistema neoliberal.
A maior de todas as nossas perguntas é se a inteligência artificial está a serviço de quem? Das grandes corporações e do lucro que poucos terão? Ou se estará a serviço do ser humano para a diminuição das desigualdades? Faz-se imprescindível falar do sistema capitalista porque é fato que na atual cultura em que vivemos muitos avanços na área tecnológica servem para a manipulação das massas e seu entretenimento, ao qual potencializam as mazelas sociais e diminuem a consciência crítica dos consumidores, que alimentam essa engrenagem poderosa e lucrativa tornando nossa sociedade cada vez mais dócil, apática e doente.
Quando nos deparamos com a grandiosidade dos avanços tecnológicos e ao mesmo tempo do medo diante do que será da humanidade todas essas novidades, podemos encontrar na religião algumas pistas, uma delas é a raiz da crise que vivemos no século XXI. Antes de pensarmos na crise ecológica, política, urbana, econômica, entre outras, é importante destacar que a maior e pior crise é a existencial, a tecnologia é um dom divino e sagrado conquistado por meio da inteligência humana, no entanto, seu uso e poder envolvido é que estão em jogo, principalmente, porque se tornou um paradigma tecnocrático.
As atuais e as novas gerações necessitam serem educadas para o uso ético, responsável e sadio da tecnologia, em pleno século XXI inúmeras pessoas tem em suas mãos um aparelho que pode acessar muita informação sem ter ao mesmo tempo a devida formação, grande parte das religiões pregam sobre o amor, a ética e a liberdade, não se pode vislumbrar uma aldeia global onde os indivíduos sejam apenas consumidores e não reflitam criticamente sobre os produtos do sistema capitalista. Por isso, a educação é uma prática que nos leva a liberdade, as religiões defendem isso, e aqueles que desenvolvem a inteligência artificial precisam se preocupar com a conscientização ética de seus usuários.
Num mundo pós-moderno, onde a cultura está fragmentada, as instituições supranacionais fragilizadas, inúmeras catástrofes ambientais e causadas por conflitos armados, o sujeito moderno é instigado a compreender que sua vida está fluída, é um constante conflito, onde os consensos e as ideologias são provisórios, é conveniente descobrir ou criar um ponto de unidade para que as tensões sejam convertidas em reflexão e força criativa para construir processos que auxiliem no crescimento humano. O desenvolvimento da inteligência artificial e seu aperfeiçoamento ético dependem não só das corporações que dominam a técnica, a sociedade civil organizada, os movimentos sociais, os Estados nacionais, ONGs e todos os indivíduos de boa vontade devem se inteirar, discutir, refletir e acompanhar seu processo com louvor e prudência, para que a tecnologia seja realmente colocada a serviço do bem comum.
O ser humano é caracterizado por sua busca pela verdade, pelo conhecimento, pelo bem e pelo belo, todo resultado positivo e inovador deve ter como um dos seus valores fundamentais a ética, se não a ânsia pelo lucro e a sede de poder geram desigualdades inimagináveis, sem dizer que quando não estão a serviço da humanidade agridem a “dignidade intrínseca de cada pessoa humana”. Toda liberdade gera responsabilidade, por isso, o paradigma tecnocrático não pode se tornar uma nova forma de ditatura que cria mais injustiças e aumentam o preconceito, ferindo a fraternidade que é uma dimensão constitutiva da espécie humana.
A visão cristã parte da premissa que o desenvolvimento do ser humano deve ser integral, porque toda vida é um dom e dotada de inteligência e desse anseio pela verdade e pelo conhecimento, sem dizer na busca pelo sentido da vida, por isso, que as religiões não podem se omitir do debate e da reflexão sobre os avanços da inteligência artificial e suas consequências, tanto na vida pessoal quanto coletiva, já que o desenvolvimento é o novo nome da paz. Falar de paz num mundo globalizado às vezes soa como algo redundante, porque a promessa no endeusamento da razão, da ciência e da tecnologia era que não haveria mais fome, miséria, desastres ecológicos e guerras, no entanto, em pleno século XXI, o século das máquinas do futuro, as desigualdades se agigantaram, milhares de pessoas morrem por falta de água ou de alimento, e alguns grupos de milionários se tornam cada vez mais ricos e suas empresas mais lucrativas, a indagação é para qual caminho a humanidade será levada com a inteligência artificial.
Diante de uma geração praticamente digital e/ou dos nativos digitais, algumas indagações existenciais permanecem na vida dos indivíduos, como qual é o sentido da vida? Por que estou neste mundo? Depois da morte há alguma coisa? Minha vida é apenas a busca pelo consumo exacerbado e pelo prazer desenfreado? Sou apenas um objeto descartável ou um sujeito de consumo? Num sistema que a meritocracia é vendida como algo acessível a todos, é difícil enxergar um processo ético e justo, onde poucos continuam privilegiados e milhões são excluídos por causa da cor, da raça, da crença ou pelo lugar que habita no mundo, isso é um alerta para refletirmos sobre se há igualdade de oportunidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, é fundamental retomar a importância do papel das religiões na discussão e na reflexão crítica e otimista diante da inteligência artificial, falar de um paradigma ético nas relações entre o ser humano e as máquinas não é apenas um discurso religioso, é uma dimensão constitutiva da própria identidade humana, porque é a partir dela que o pessoal e o social são envolvidos por valores que devem defender a dignidade de toda pessoa e favorecer o desenvolvimento integral dos povos, das culturas e de todas as formas de sociedade presente nesta grande aldeia global. Os avanços tecnológicos devem estar a serviço do bem comum, isto é um parâmetro ético, se não estarão a serviço da ganância e do poder que continua nas mãos de poucos.
Toda criatividade e inteligência humana é um dom que deve ser partilhado a toda família humana, mesmo numa cultura marcada pelo desempenho e pela competição, sem a busca pela fraternidade e pela divisão igual dos bens conquistados toda a humanidade corre o risco de ser pisoteada na sua dignidade pessoal e intransferível. O Papa Francisco como uma liderança global, reiteradamente nos seus discursos e pronunciamentos evoca aos quatro cantos do mundo que uma cultura do descartável e do provisório só levará a humanidade a ruína e destruição, e sem a fraternidade e a amizade social estaremos fadados ao isolamento e a aniquilamento da espécie e do planeta, já que o ser humano consome as riquezas naturais de forma descontrolada e gananciosa.
REFERÊNCIAS
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