Artigo: Os desafios da Psicanálise
Dentre os tempos atuais, um dos maiores desafios se constitui na dificuldade de cada indivíduo desenvolver a habilidade de olhar para si, tornar-se autorresponsável e se colocar em disponibilidade para enxergar seu conteúdo oculto.
A enxurrada de informações e a facilidade de acesso por meio da tecnologia - e de sua velocidade - fazem com que o foco mental e emocional sejam direcionados constantemente para o mundo externo. Não há estímulo para que o indivíduo seja um investigador de si mesmo, para praticar a autopercepção e um olhar mais expandido sobre suas experiências.
O inconsciente, esfera percebida por Freud em seus estudos e observações, ganha força através desta dificuldade do ser em enxergar a própria realidade, fortalecendo a tensão criada pelo inconsciente coletivo. A tendência a encontrar um culpado “fora” só colabora para o afastamento de si mesmo, ampliando os problemas cujas bases residem primordialmente no lado de dentro.
Aqueles que caminham um pouco mais adiante no processo de autoconhecimento e tem entendimento, por exemplo, sobre o conteúdo da primeira tópica (inconsciente, pré-consciente e consciente), tendem a considerar o inconsciente como sendo um inimigo interno, uma esfera que luta contra o eu através do seu conteúdo, que teima em escapar por entre os atos falhos, sonhos, chistes e sintomas. Na realidade, esta auto rejeição só colabora para manter contida a energia enclausurada nos porões mentais.
Quanto mais maleáveis se tornam as relações com essas informações, permitindo que passem progressivamente à tela mental consciente, mais o indivíduo colabora para dissolver essa tensão, maior é o alívio e menor é a frequência de suas manifestações indesejadas. Aliás, tratá-las como indesejadas também se mostra um pressuposto para o seu fortalecimento.
Aquele que perceb o inconsciente como seu aliado - uma vez que todos estamos debaixo desta esfera seja individual ou coletivamente – mais perto está de desenvolver um estado genuíno de maior equilíbrio e maturidade, no qual consegue lidar com sua realidade sem precisar recorrer aos escapes que certamente atingem os que ignoram este conteúdo.
A psicanálise mostra-se um eficiente instrumento de intermediação e elucidação dos padrões mentais inconscientes especialmente para os que estão dispostos a se permitir adentrar este conteúdo.
Talvez outro dos maiores desafios do psicanalista seja lidar com o fato de que nossa tela mental (consciente) é extremamente eficiente em “contar histórias” convincentes, que de fato parecem ilustrar nosso conteúdo mais profundo. Não que isso não aconteça – porém de uma forma muito subjetiva, que exige sensibilidade, sagacidade, conhecimento e percepção.
A primeira vista, parece que tudo o que temos é o que a mente nos traz conscientemente, ainda mais se considerarmos o intenso fluxo de pensamentos ao longo do dia – milhares, por sinal. Como acreditar que esta é somente uma parte pequena, a ponta do iceberg do que representa nossa mente?
Outro desafio é o fato de que o inconsciente é bastante simbólico. Sua “linguagem” não é a mesma que estamos acostumados a utilizar racionalmente. É como se o inconsciente fosse um grande quebra-cabeças de peças ocultas, cuja habilidade do analista para decifrá-lo pode determinar a eficiência da evolução do tratamento.
O pré-consciente como intermediador entre o consciente e o inconsciente pode abrir um caminho para ajudar a cavar o conteúdo oculto, mas somente o acesso ao que parece inacessível constitui a finalidade da psicanálise.
Além de considerar as três instâncias psíquicas da primeira tópica, o entrelaçamento às instâncias da segunda e terceira tópica constitui os pilares norteadores para que o analista desvende o mapa interno de cada analisando.
Percebemos, então, que os desafios demandam não apenas a apropriação das técnicas de forma satisfatória e eficaz por parte do psicanalista, como também, a habilidade para lidar com:
1. Bloqueios sociais e culturais, afinal, é sabido que a área do cuidado mental ainda é vista com preconceito por pessoas que não compreendem sua relevância, inclusive coletiva.
2. Bloqueios inconscientes, uma vez que o mecanismo se mostra autoprotetor e oculto.
3. A representação enganosa eficiente de nossa tela mental consciente.
4. A dificuldade coletiva em enxergar e lidar com a realidade por mais difícil ou condenável que pareça.
5. Uma vez vencido este desafio, a dificuldade de lidar com este conteúdo reprimido.
6. A dificuldade do indivíduo de enxergar a si mesmo.
Além disso, o analista precisa ter como pilar a disposição para adentrar o mundo do analisando sem julgamento e sem levar a pino as próprias neuroses. Sendo assim, o analista precisa ser o primeiro a desenvolver a disposição para o contato com o mundo interno, de forma que possa trabalhar com o conteúdo do próprio inconsciente com uma postura aberta e investigativa, recebendo apoio conforme sua necessidade.
Vale lembrar que as dificuldades encontradas nos analisandos fazem parte, sobretudo, do inconsciente coletivo. Uma vez trabalhadas as questões individuais, há uma colaboração para que a tensão coletiva se desfaça, de forma que a psicanálise clínica impacta em algo muito além do eu.
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