Sobre as costuras da vida



Numa quinta-feira à noite, eu estava ajeitando alguns bons metros de tecido de cetim branco sobre a cama (por ser a maior superfície da casa) quando comecei a pensar sobre costuras, e sobre a vida.
Sempre gostei muito de costurar e fazia roupinhas para bonecas à mão. Até que fiz uma blusa simples, toda costurada também à mão, e uma tia viu minha arte. Então, no aniversário de treze anos, ela me deu de presente uma máquina de costura, minha companheira já há quase 24 anos. Ela já se foi, a máquina permanece.
Como autodidata, estraguei alguns cortes de tecido, mas também acertei muitos. Um dia, por volta dos 17 anos, desci e fui mostrar para os meus pais uma blusa que fiz, mas a pressa em acabá-la me fez deixar de passar um zigzag de arremate nas bordas da manga, que estava meio desfiada, apesar da costura reta de acabamento. Meu pai, olhou, elogiou, mas fez uma ressalva: "filha, a blusa está muito bonita, mas você tem que fazer o chuleado, senão perde um pouco da beleza".  Fiquei chateada na hora com a crítica, mas depois entendi quão importante era a lição do meu pai.

O tecido sobre a cama era de um vestido de noiva. É o quinto que faço, e confesso estar se tornando uma paixão. Costuro qualquer roupa feminina, mas os vestidos de noiva têm um significado especial.

Tive a oportunidade de usar um, mas não tenho boas recordações (s. Foi um sonho que ficou pendente. Talvez por isso seja tão prazeroso fazê-los. É para um público que sonha com esse momento (homens, vocês não entenderão!), então as noivas vem com um brilho nos olhos, uma ansiedade e uma alegria quase infantis, do sonho de ser princesa por um dia. E eu, de alguma forma, faço parte desse sonho, e sei o tamanho da responsabilidade, pois a última coisa que uma noiva quer é estar em um vestido que não lhe agrade. Um dos meus sonhos é poder atender só esse tipo de costura.

Voltemos ao tecido: perdi um bom tempo para ajeitá-lo à contento, as bordas (chamadas ourelas) tem que estar perfeitamente alinhadas para que o fio do tecido esteja correto. Só então o molde é posicionado, as medidas conferidas e a tesoura de bom corte entra em ação, cuidadosamente.
Então fiquei pensando que a vida é muito parecida com essa arte. Muitas pessoas pensam que o segredo da costura está em saber costurar. Errado. O segredo é cuidar do fio do tecido e do corte. Uma peça bem cortada é uma peça de qualidade.

Quantas vezes deixamos de dedicar o cuidado (e o tempo) necessário para que o "fio da vida" esteja alinhado? Cortamos e costuramos as histórias de qualquer jeito, então elas ficam tortas, e não há mais conserto. A única solução é transformar nossa história em outra, revendo onde erramos, fazendo diferente, alinhando nossas ourelas com as de quem escolhemos para fazer parte da nossa vida. Sobre meu pai, depois do corte, é fundamental cuidar do acabamento. Ele é necessário para que a vida fique bonita, completa,  e se traduz no cuidado, no carinho e no capricho que dedicamos ao que fazemos.

Nessa linda peça que tecemos chamada vida, dediquemo-nos mais ao seu corte e ao seu acabamento, e a costura dos nossos sentimentos formará, naturalmente, um belo legado.

Imagem canva

(escrito em 2012)

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