Um abraço e uma saudade




Devido aos costumes de família fiz minha incursão em visita aos que já se foram. Sei que muitos na blogosfera não tem esse hábito, mas admito que sinto um certo conforto por saber que ainda tenho a graça de poder cumprir essa tradição ao lado dos meus pais e não, em homenagem à eles. Costumo ser muito serena nesse sentido mas é inevitável não pensar na efemeridade da própria vida e voltar-se um pouco para si.

Falando da ambiguidade morte/vida, a verdade é que morremos todos os dias para algo. A cada nova escolha uma pequena morte se realiza, a morte do que deixamos para trás, daquilo que fomos e passaremos a ser a partir da nova escolha. Mas enquanto há vida biológica cada morte representa o início de uma nova vida, um novo aprendizado, novos desafios, conquistas e alegrias... ou uma nova morte se não há mais satisfação pessoal. Muitos não se dão conta de que aí está a mágica do dom da vida, a capacidade contínua da renovação, e perdem de utilizar esse dom estagnados em uma UTI emocional.

Lembro da saudosa tia Vera que me ensinou a abraçar. Nos conflitos típicos da adolescência me esquivei naturalmente do pai (atitude explicada por Freud) e nunca tive uma relação de toque com a mãe. Lembro-me que me retraía um pouco com o abraço, como se  invadisse uma delimitação que me deixava protegida e segura.

Ela me ensinou, com seus demorados e pacientes enlaces, que o próprio abraço é sinônimo de proteção e segurança. Que no aconchego quente e sincero nada pode nos atingir, magoar ou derrubar, e aos poucos, abraçá-la tornou-se um ato tão natural que até hoje abraço carinhosamente as pessoas que gosto. Há linhas que defendem um número mínimo de abraços por dia (8, 10, 12...)... eu defendo a tese de que não há um número que defina a qualidade de se sentir abraçada - é a entrega, o carinho e a verdade com que é dado.

Com o tempo e uma alma sensível demais para esse mundo a tia decidiu morar em uma comunidade distante e não a vi mais nos últimos dez anos que antecederam sua partida. Mas o efeito daqueles pacientes e demorados abraços se desdobram até hoje em torno das pessoas que amo.

Há pessoas que sabem como ser sementes.

Eu acho que vou fazer uma plaquinha dessa! :)

Vídeo da campanha Free Hugs que distribui abraços gratuitamente. Conheça a história do projeto aqui
Leitura complementar linda recomendada, aqui. 


[à parte: quando terminei esse post estava precisando muito de um abraço. a campainha tocou e era minha sobrinha de quatro anos. ela veio com meu pai buscar minha filha para uma festa e disse que precisava subir porque a tia gostava dela "desse tamanho" e me deu um longo abraço. é fantástica a continuidade da vida.]

OBS: texto escrito em 2015
Imagem: Canva

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